Este
- Diogo Curto
- 26 de jul. de 2020
- 2 min de leitura
Abro o Word que me apresenta uma linda folha branca. Justifico o texto, faço de 12 o tamanho da letra, Arial o seu estilo e espaceio as linhas a um ponto e 15.
A partir daí, começa o tal processo corrosivo de traduzir qualquer estímulo exterior feito sentimento em… palavras, pontos, símbolos literários secos e pretos. Uma gravura na potencial memória coletiva.
Como eles gostam de proclamar como sagrada a sua memória coletiva, como eles gostam de se iludir e de nos iludir na sua inocente liberdade e descontrolo santo. Afinal, que memória é essa? A História de conquistas sobre os que partiram, conquistas passadas e orgulhosas no presente. Sim, tudo é orgulho nas suas conquistas, claro. Todos vemos objetivamente através do nosso passado, um passado escrito em pedra e enterrado a sete pás de profundidade. E por isso vivemos no Éden, pois claro. Rodeados de duendes e de amor, de meritocracia e igualdade. Convivemos com a massa popular mais responsável e pacífica deste universo e somos todos livres e bonitos. Livres! Como a nossa memória coletiva e as nossa vontades e desejos capitalistas.
Uma paulada a Reacionários que logo respondem com os seus dogmas de gente grande, de gente sabida, de pessoas escolhidas para testemunhar a verdade absoluta pelo próprio Deus da omnisciência.
E eu desesperado pois o meu arrastar de tinta não desperta corações encarnados, pelas minhas ideias não serem validadas como o ápice da teoria política e filosófica deste milénio genial. Quantos prémios nobéis apaziguaram uma alma revolucionária, que a cada questão ou debate fervilha intensamente, pronta a despedir-se de uma pele cobarde e a encarnar as mãos de um operário do século XIX?
Quantos parágrafos derramados nesta outrora linda folha branca de Word me servirão para dormir esta noite? Quantas linhas espaçadas a um ponto e 15, quantas letras Arial 12? Porque tudo tem de ser emocionante e apaixonadamente vivido por um adolescente tuga mimado rural doméstico limitado ou quaisquer outros adjetivos que vos farão aproximar ou afastar de mim?
Eu sou eu, sê-lo comigo. Despe-te de ti e viaja comigo, juntos nos aconchegaremos no infinito da justiça alheia e injustiças pessoais, nas bondades e maldades deste tempo, nas fronteiras e pontes deste espaço. Prometo devolver-te à terra num instante. Instante que te fará seres minha, feminina criatura sem sexo. Este instante que já passou.
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